O Festival Internacional de Cinema de Miami estreará na próxima quinta-feira A Noite Eterna de Cuba (Cuba’s Eternal Night), um impactante documentário que retrata a crise humanitária, a repressão e o êxodo em massa da ilha, após os massivos protestos de 11 e 12 de julho de 2021, conhecidos como 11J.
O audiovisual de 66 minutos acompanha durante dois anos cinco cubanos que enfrentam a repressão governamental, a escassez de alimentos e medicamentos, e o maior êxodo em massa que a ilha já experimentou, indica a sinopse.
“Quem escapou milagrosamente do encarceramento e da perseguição fala com coragem diante da câmera em um país que afunda, sem qualquer sinal de esperança, exceto o desejo desesperado de fugir, custe o que custar. Uma sociedade em falência, abandonada à sua sorte, sem a solidariedade ou o apoio de nacionais e estrangeiros que um dia depositaram sua fé em uma ideologia condenada ao fracasso e corrupta”, ressalta o texto.
A noite eterna de Cuba terá sua estreia no dia 10 de abril às 18h30, no Koubek Theater, no condado de Miami-Dade, no sul da Flórida, como parte da programação da edição 42 do Festival Internacional de Cinema de Miami (Miami International Film Festival-MIFF), que ocorre de 3 a 13 deste mês.
O diretor e roteirista do filme, Jordan Allott, filmou projetos em mais de 35 países, incluindo China, Síria, Nigéria e Cuba, com temas que vão desde os direitos humanos internacionais e a política americana até a espiritualidade católica.
Allott produziu filmes sobre grupos perseguidos, incluindo o longa-metragem documentário Oscar’s Cuba, sobre o doutor Oscar Elías Biscet, dissidente cubano e defensor dos direitos humanos que foi encarcerado pelo regime de Havana e permaneceu na prisão por quase uma década devido às suas ideias políticas.
A repressão continua
A fim de sufocar os protestos que estouraram em 11 de julho de 2021 em dezenas de cidades e vilarejos de Cuba, o regime de Miguel Díaz-Canel recorreu à repressão violenta e a prisões arbitrárias dos manifestantes - incluindo menores de idade -, o que foi seguido, nos meses seguintes, por julgamentos sumários e exemplares, que violaram o devido processo, e a imposição de longas e injustas sentenças.
Durante a repressão das protestos, foi assassinado a tiros por um policial o cidadão Diubis Laurencio Tejeda, de 36 anos, enquanto participava da manifestação pacífica no bairro La Güinera, em Havana, no dia 12 de julho. Até agora, é a única vítima fatal confirmada desses eventos. Outro cubano, Osiris Puerto Terry, foi atingido por vários disparos de arma de fogo das forças do regime durante a protesto na esquina de Toyo, no município Diez de Outubro.
A onda de repressão governamental contra os manifestantes do 11J não se traduziu apenas em encarceramentos em massa, mas também em um saldo trágico que inclui a morte de pelo menos quatro presos políticos sob custódia. Esses casos refletem as condições subhumanas das prisões cubanas, a negligência médica e o abuso sistemático contra aqueles que ousaram exigir liberdade em um país onde a dissidência é brutalmente punida.
A organização Prisoners Defenders e outros grupos de direitos humanos denunciaram que o regime cubano mantém na prisão 1.150 prisioneiros políticos, a maioria deles detidos por se manifestarem contra o governo de Díaz-Canel.
Em janeiro de 2025, o regime de Havana anunciou a libertação de 553 pessoas devido à pressão internacional e após a decisão da administração do ex-presidente americano Joe Biden (2021-2025) de retirar Cuba da lista de países patrocinadores do terrorismo.
Após as primeiras liberações, o processo foi interrompido por mais de um mês, mas em março, a vice-presidente do Tribunal Supremo Popular (TSP) de Cuba garantiu que o procedimento foi concluído de maneira "bem-sucedida" e se dividiu em duas fases: 378 solicitações aprovadas em janeiro e 175 em fevereiro.
Organizações de direitos humanos denunciaram que o regime cubano inflou os números de libertações ao misturar presos políticos com prisioneiros comuns, e que a maioria dos liberados já tinha direito à liberdade condicional há meses ou a um regime aberto.
Além disso, ativistas denunciaram que o governo ainda mantém centenas de prisioneiros de consciência em prisões cubanas e que os libertados continuam submetidos a vigilância e restrições.
Enquanto isso, o regime continua a advertir que aqueles que não cumprirem com as condições impostas poderão ser devolvidos à prisão a qualquer momento.
Crise econômica e êxodo acelerado
A produção agropecuária em Cuba tem enfrentado um colapso alarmante nos últimos anos, o que confirma a crescente crise alimentar que o país enfrenta. A isso se acrescenta a inflação galopante e as dificuldades logísticas decorrentes da crise econômica que atravessa o país.
Organizações como o Observatório Cubano de Direitos Humanos (OCDH) alertam sobre um aumento da pobreza extrema nas famílias cubanas, ao mesmo tempo em que apontam que “a escassez de medicamentos, o desemprego, atingem milhões de cubanos, que veem sua vida passar entre antigos apelos à resistência, e não esperam alternativas diferentes de ‘resolver’ ou escapar”.
Um estudo realizado pelo reconhecido economista e demógrafo cubano Juan Carlos Albizu-Campos estima que a população residente em Cuba se reduziu de forma alarmante nos últimos anos e já está abaixo de 8.000.000 de pessoas, o que representa uma queda de 24% em apenas quatro anos, um número que o autor compara a cenários de guerra.
De acordo com o intelectual cubano Lenier González, para conter essa crise sistêmica após o levantamento nacional, o regime implementou dois processos: a repressão de toda dissidência e atividade de contestação cidadã (seja de que natureza for) e a estimulação acelerada da emigração em massa (para conseguir abortar outro levantamento nacional).
El MIFF
Fundado em 1984 pelo cineasta e crítico cubano Nat Chediak e Steven Bowles, o MIFF se destaca pela celebração de filmes independentes e seu enfoque na promoção do cinema latino-americano, ibero-americano e internacional.
Tem servido de plataforma de lançamento para o mercado americano de diretores e atores como Pedro Almodóvar, Antonio Banderas, Carmen Maura, Fernando Trueba, Eliseo Subiela, Wim Wenders e Abbas Kiarostami.
A missão do evento é apoiar cineastas emergentes e estabelecidos, fomentar a expressão criativa e envolver a comunidade em experiências culturais significativas.
Como parte das apresentações da edição atual, no dia 5 de abril ocorreu a estreia mundial do filme Adiós Cuba, do renomado diretor cubano Rolando Díaz.
Protagonizada por Yuliet Cruz, Frank Moreno, Betiza Bismark e Grisell Monzón, a película narra a história de Caridad, uma teatróloga cubana exilada em Valência, que luta para montar uma peça em um espaço improvisado, enquanto recolhe testemunhos reais sobre o exílio. Essa peça se torna uma metáfora de Cuba que muitos carregam na memória e no coração.
Um dos aspectos mais destacados do filme é sua trilha sonora, que contou com a colaboração do recentemente falecido Edesio Alejandro, um dos músicos mais emblemáticos do cinema cubano. Sua participação neste projeto acrescenta uma camada emocional adicional à obra.
Um dia antes, em 4 de abril, também ocorreu a estreia do documentário Chirino, a primeira produção dedicada à vida e trajetória artística do emblemático músico cubano Willy Chirino, de 78 anos.
Perguntas frequentes sobre o documentário "A Noite Eterna de Cuba" e a situação em Cuba pós-11J
Sobre o que trata o documentário "La noche eterna de Cuba" que será exibido no Festival de Cinema de Miami?
O documentário "A noite eterna de Cuba" aborda a crise humanitária, a repressão e o êxodo em massa em Cuba após os protestos de 11 e 12 de julho de 2021. Através da história de cinco cubanos, expõe a repressão governamental, a escassez de alimentos e medicamentos, e o êxodo em massa, evidenciando o desespero e o desejo de fugir da ilha.
Qual tem sido a resposta do regime cubano às protestas de 11J?
O regime cubano respondeu às protestas de 11J com repressão violenta e prisões arbitrárias, incluindo detenções de menores de idade. Posteriormente, foram realizados julgamentos sumários e impostas longas penas sem devido processo. Essa repressão também resultou na morte de manifestantes e em condições de encarceramento desumanas para os detidos.
Qual é a situação dos prisioneiros políticos em Cuba após os protestos de 11J?
Actualmente, mais de 550 manifestantes do 11J permanecem encarcerados em Cuba, enfrentando violações de direitos humanos como assédio, tortura e negação de atendimento médico. As condições nas prisões são deploráveis e as libertações recentes não significaram uma liberação completa, mas estão sujeitas a condições rigorosas.
Como a crise econômica em Cuba impactou a vida cotidiana de seus cidadãos?
A crise econômica em Cuba levou a uma escassez severa de alimentos e medicamentos, assim como a um aumento da pobreza extrema. A inflação e as dificuldades logísticas agravaram a situação, levando muitas famílias a optar pelo êxodo como a única solução viável para escapar de um sistema que consideram falido.
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