Uma tiktoker cubana gerou alvoroço nas redes sociais ao publicar um vídeo no qual mostra, com um tom entre surpreso e irônico, uma loja em divisas no exclusivo Shopping Center Palco, em Havana, que, segundo ela, parece “o Costco de Havana”.
"Todo começou como um dia qualquer em Cuba", diz no início do vídeo a usuária de TikTok @keycubanita4. Segundo ela, saiu em busca de óleo e biscoitos para o lanche, mas acabou em uma loja “onde tem de tudo”, incluindo produtos importados, supostamente de origem americana.
Enquanto grava prateleiras bem abastecidas, encerra com uma frase que acendeu os alarmes de muitos: “Siga-me para mais aventuras reais a partir desta ilha onde tudo é possível… ou quase”.
Mas esse "quase" foi suficiente para desencadear a indignação de muitos cubanos que vivem uma realidade muito diferente da que mostra o vídeo. Os comentários não demoraram a chegar, carregados de dor, ironia e crítica social.
“Onde pagam em dólares em Cuba?”, perguntou um usuário com sarcasmo.
“Isso é bonito, mas somente se você tiver uma família no exterior que trabalhe duro para te enviar remessas”, escreveu outro.
“E o bloqueio? E o norte revolto e brutal?”, ironizou um terceiro, referindo-se ao discurso oficial que culpa os Estados Unidos pelas carências na ilha.
Muitos também apontaram que o Centro Comercial Palco não é nenhuma novidade e que a sua existência contrasta com a escassez que a maioria do povo cubano enfrenta, que recebe seu salário em pesos e lida com preços dolarizados.
Outros foram mais severos, acusando esse tipo de vídeo de "limpar a imagem da ditadura", ao mostrar uma visão distorcida da realidade nacional. "Esses vídeos só servem como propaganda para o regime. Promovem o que parece ser o Costco de Havana... ai, Deus, o que temos que ouvir nas redes!"
Uno dos comentários mais contundentes resume o sentimento generalizado. “Por Deus, é tudo possível nesta ilha? O que é o possível? Se lá tudo é impossível: não há eletricidade, não há comida, não há transporte, não há medicina. O cubano que não recebe dólares não pode ir lá. As crianças não podem lanchar biscoitos Óreo se não têm mãe ou pai do lado de fora que emigraram com o coração partido para poder alimentá-las. As ruas estão cheias de lixo, Havana está desmoronando, não há professores porque ninguém quer dar aulas por 10 dólares por mês. O que você vai mostrar em seu conteúdo? A bolha em que você vive ou a realidade do cubano que toma banho com um jarro e dorme com calor e mosquitos?”
A indignação generalizada evidencia uma desconexão entre a opulência mostrada por certos estabelecimentos em divisas e a dura realidade de milhões de cubanos que não conseguem arcar com produtos básicos. O contraste entre as prateleiras cheias e os bolsos vazios se torna, mais uma vez, um cenário de polêmica nas redes.
Desde 2025, o governo cubano acelerou a abertura de lojas que operam exclusivamente em dólares, sob o argumento de “captar divisas e melhorar o abastecimento”. Estabelecimentos como o supermercado de 3ra e 70 em Havana, “Casalinda” no antigo Ten Cents, e novas unidades em províncias como Holguín, Villa Clara e Ciego de Ávila, têm marcado essa tendência.
Estas lojas aceitam apenas pagamentos com cartões internacionais (Visa, MasterCard, MIR) ou cartões recarregados do exterior, o que exclui a maioria dos cubanos que recebem em pesos. Enquanto esses comércios exibem prateleiras cheias de produtos importados, as lojas em moeda nacional continuam desabastecidas, gerando uma forte percepção de injustiça e segmentação econômica.
Economistas como Pedro Monreal têm advertido que esta “dolarização parcial” aprofunda a desigualdade, ao criar um mercado paralelo acessível apenas para aqueles que recebem remessas ou divisas. As queixas dos cidadãos também apontam para práticas humilhantes, como receber o troco em balas por pagamentos em dinheiro em dólares, e denunciam que esta estratégia transforma o acesso a produtos básicos em um privilégio reservado a uma minoria.
Arquivado em: